Foram três Campeonatos Brasileiros da Série A, três da Série B, três Copas do Brasil, uma Supercopa dos Campeões da Libertadores, uma Copa dos Campeões e mais de 40 estaduais, além de diversos acessos para divisões de elite em vários estados, torneios menores, campeonatos nacionais em países estrangeiros e modalidades como basquete e vôlei.
Não há corintiano que não se lembre de Ronaldo, Tupãzinho e Neto, entre outros, com a camisa do Corinthians em 1990.
Qual o botafoguense que se esquece de Túlio Maravilha com a 7 do Botafogo dando a volta olímpica no Pacaembu em 1995?
E o gol de Ronaldo Fenômeno pelo Cruzeiro, diante do lendário uruguaio Rodolfo Rodrigues, no Mineirão, em 1993?
E quanto a Sorato fazendo o gol do título brasileiro do Vasco em 1989, no Morumbi? Há vascaíno que não tenha visto a cena?
Em comum, esses e outros grandes momentos do futebol nos anos 1980, 90 e começo dos anos 2000 têm a marca Finta.
E, desde a fundação da empresa, apenas uma pessoa pode se gabar de ter participado de todos eles. Todas as camisas vestidas por clubes patrocinados pela marca passaram pelas mãos e aprovação de Jorge Fusco Rodrigues, responsável pelos produtos da marca desde a sua fundação.
"O primeiro clube que vestimos foi a Portuguesa de Desportos", contou Jorge. Em 1986. Antes disso, a empresa, que se chamava Premier, era uma indústria", conta o executivo.
De lá para cá, mesmo com duas trocas de proprietário, Jorge permaneceu. Hoje, ele é praticamente um arquivo vivo da história da companhia fundada em São Paulo. Com as trocas de proprietários, muito do acervo da empresa não existe mais. E Jorge guarda algumas peças, além de materiais como catálogos e outros itens de marketing.
Não tardou para a Finta conquistar seu primeiro troféu. Apenas três anos depois do primeiro contrato, a marca vestia o Vasco no Campeonato Brasileiro de 1989.
"Todo mundo falava da dificuldade de relacionamento com o Eurico Miranda (1944-2019). Comigo, nunca houve um problema", contou ele, sobre o lendário dirigente cruzmaltino, morto na última terça-feira (12).
"Ele era um cara direto e reto, sem rodeios. Aquele jeitão de coronel. Mas era objetivo nos negócios", relembra-se.
Foi a fama de bom prestador de serviços no clube carioca que o levou a dar o maior passo na história da Finta: o contrato com o Corinthians. Do outro lado da mesa, em 1990, estava ninguém menos que Vicente Matheus (1998 a 1997).
"Ele realmente tinha uma dificuldade enorme para se expressar, se atrapalhava todo. Mas pensava rápido, tinha um raciocínio privilegiado", diz.
"Lembro-me que, na hora de assinar o contrato, um conselheiro disse a ele que o acordo não envolvia dinheiro, apenas o fornecimento do enxoval", conta. "No que ele respondeu: 'viu, e esse monte de peça por acaso não é dinheiro?", lembra-se, com detalhes, Jorge Rodrigues.
O molde de contrato com o Corinthians era a praxe do mercado. Aliás, começava a ser. Até bem pouco antes, os clubes compravam as peças que usavam.
"A gente fornecia 100% das roupas que os clubes usavam. Todas as peças dos jogadores, mas também do estafe, seguranças. Todos os departamentos, categorias de base, tamboréu, tênis, boxe, o que tivesse", relembra-se. "Além dos royalties de 5% por peça vendida".
Para Jorge, o contrato com o Corinthians foi sem dúvida o mais memorável para ele e a empresa. Não apenas pelo fato de ele ser corintiano, mas pelo que ele proporcionava no nível pessoal, também.
"Eu conheci o Ayrton Senna, por exemplo, em uma festa do Corinthians. Eu tinha uma camisa do clube autografada por ele, mas já não a tenho", diz.
Também foi por causa do Corinthians que ele conheceu Rivellino, um dos maiores jogadores da história do clube, tricampeão mundial com a seleção em 1970.
"Desse contato com o Rivellino surgiu a chance de patrocinar a seleção brasileira de masteres, aquele time criado pelo Luciano do Valle", conta.
Ronaldo Giovanelli, goleiro que mais vezes vestiu a camisa do clube, foi outro de quem Jorge se aproximou na época. "Ele usava até as luvas e chuteiras que fazíamos", diz.
Na época do Corinthians, dois atletas tiveram cuidados especiais: Marcelinho Carioca e o lateral Branco, tetra com a seleção em 1994.
"A questão do Marcelinho era o tamanho dos pés. As chuteiras dele, tamanho 36,5, eram feitas sob medida", diz. "O outro foi o Branco. As meias que fabricávamos, tamanho padrão, não passavam pela panturrilha dele", conta, entre risos.
"Fui aos casamentos do Ronaldo e do Neto, na época", diz. "De vez em quando, a gente armava uma pelada, entre os funcionários, e chamava um jogador. Eles eram muito tranquilos quanto a isso, ficavam para o churrasco também", diz.
Num ousado contrato internacional, a empresa vestiu também a seleção de Trinidad e Tobago durante as eliminatórias para a Copa de 2006. "Depois, com a vaga conquistada, eles fecharam acordo com a Adidas", diz.
A fama na América Central se espalhou e, em 2007, a Finta vestiu o Haiti, os clubes da primeira divisão do país e alguns clubes da Costa Rica, tendo conquistado o título nacional como fornecedora do Alajuelense - o vice, o Santos de Guapolis, também usava a marca.
"O Bebeto chegou a ir comigo para um jogo no Haiti, fomos recebidos como celebridades no país", conta. "A pobreza generalizada me impressionou muito. Era uma situação muito triste", diz.
Além da clássica camisa branca do Corinthians, Jorge tem dois xodós entre as centenas de camisa que ajudou a fabricar.
"Houve um modelo do Novorizontino, com um tigre, que gente do mundo inteira fazia contato para tentar comprar", diz.
"A do Cruzeiro, em 1993 e 1994, com estrelas celestes, em jacquard (um tecido brilhoso), era também muito bonita", diz.
Esse modelo, em especial, além da beleza, entrou para história como a última camisa de um time de futebol profissional vestida por Ronaldo Fenômeno e feita por uma marca brasileira. Em 1994, ainda um garoto de 17 anos, o craque assinava um contrato vitalício com a Nike.
Na seleção, Ronaldo vestiu Umbro, além da marca norte-americana - a mesma que vestiu o Corinthians quando ele voltou ao Brasil, em 2009.
"Tenho também, não sei por qual motivo, exatamente, uma camisa do Juventus da Rua Javari autografada pelo Pelé", diz. "Além de uma do Corinthians com autógrafo do Rivellino".
Dois clubes estiveram muito perto de fechar contrato com a Finta, em movimentos que certamente mudariam suas histórias e a da empresa. O primeiro foi o Flamengo, em meados dos anos 1990.
"Faltaram detalhes aqui e ali. Fiz diversas reuniões com o Márcio Braga (presidente do clube entre 1983 e 1991). Era para o Flamengo ter sido nosso a partir de 1992", conta ele.
O outro foi nada menos que o Palmeiras. "Na época da Parmalat, antes de se acertar com a Rhumell, o Mustafá Contursi (presidente do clube entre 1992 e 2003) estava quase certo com a gente", revela.
"Mas a rivalidade com o Corinthians atrapalhou. Tenho certeza que isso nos tirou do páreo", acredita.
"Até desenvolvemos alguns modelos. Era algo bem conservador, porque quando entrávamos nos clubes, sempre tentávamos não ousar muito, até conquistar espaço", explicou.
O contrato com o clube do Parque São Jorge acabou em 1994. No mesmo ano, viu Juventude e Goiás ascenderem à Série A com peças suas.
"A gente chegou a negociar com o Alberto Dualib, mas ele tinha uma proposta melhor e encerramos, sem nenhum problema", contou.
A marca "tirou o pé do acelerador", como define Jorge, a partir de 2005. Foi quando os valores praticados no futebol começaram a ficar impraticáveis para os pequenos players do mercado.
Começava a época dos grandes contratos com luvas e remuneração. "Não dava para competir, além disso, o trabalho de campo, literalmente, que era muito exaustivo. O futebol profissional é uma loucura", disse ele.
No basquete, a empresa esteve com os times de Franca, em suas mais diversas encarnações, em cinco conquistas. No vôlei, conquistou Paulista, Brasileiro e Sul-Americano com Ribeirão Preto no feminino. No Masculino, vestiu o Sada Cruzeiro no Campeonato Mineiro de 2010/2011, e na Superliga 2011/2012 e 2013.
A última conquista da empresa no futebol, com o Vila Nova de Goiás, nem foi um título, mas sim o acesso do clube à primeira divisão estadual em 2013.
Pelos cálculos da empresa, ao longo de sua história, a Finta participou das conquistas de 44 títulos estaduais, um paulista da A2, 14 nacionais e 6 internacionais.
"Tenho muita saudade dessa época", confessa Jorge. "Esse contato direto com os atletas, estar nos jogos, nos eventos, era muito bom. Mas é um tempo que passou", diz o executivo.
Ainda na empresa, que agora dedica-se a peças para amadores no varejo, Jorge segue como gerente de produtos.
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